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Livro - Ó
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Esta é a orelha do livro/ por onde o poeta escuta/ se dele falam mal/ ou se o amam?, diz Carlos Drummond de Andrade, predileto de Nuno Ramos, em seu ?Poema-orelha?. Aqui, na orelha deste livro, poderÃamos declarar, sem falso pudor nem reticência, o quanto gostamos de Autor e obra, mas não poderÃamos dizer o que o livro é, sem traÃ-lo em sua natureza própria.
De fato, olhando bem, os textos que o compõem em sua unidade tão estrita quanto desatada não são contos, nem poemas em prosa, nem crônicas, nem ensaios, nem crÃtica, nem romance, nem autobiografia etc., sendo, no entanto,tudo isso e mais uma coisa incerta e não-sabida, que o leitor nomeará. Uma vasta fantasia antropológica? Uma crÃtica da percepção? Um De senectude precoce? Uma meditação sobre a ruÃna? Uma reflexão espectral da forma-mercadoria? O transe brasileiro no seu limite? Epifania negativa? Uma Carta ao pai, que dói e estala em todas as suas juntas? Uma tese de doutoramento impossÃvel, apresentada a um Departamento de Filosofia do Além? De novo, nenhuma dessas coisas e, ao mesmo tempo, todas elas e mais alguma etc.
Não se trata, aqui, de preocupação classificatória, mas de verificar que, neste Ó, ao se instalar nessa zona de arrebentação da linguagem, onde fluem e refluem, presentes e ausentes, todas as molduras dos antigos gêneros literários e das modalidades do discurso, Nuno traz com força para as letras aquela experiência da perda da evidência do sentido da arte, que as artes plásticas radicalizaram a um ponto a que resistem, em sua natureza, a linguagem verbal articulada e a literatura como instituição. Como Nuno é artista plástico renomado, tendemos a achar que ele vem das artes plásticas para as letras, mas este Ó faz pensar que na verdade ele está voltando, que, em sua aventura expressiva, as palavras são um primeiro fascinador, contra cuja resistência e vezo metafÃsico ele lança de volta um corpo, um corpo plástico, o seu próprio e os corpos do mundo, coisas, bichos e gente, carne mÃsera e exultante, com um impudor e uma dilaceração de Terceiro Mundo que fariam corar, digamos, aquele corpo que pensa, da filosofia francesa. Este Ó esquadrinha esse embate por todos os lados, com imaginação solta e lógica implacável, com verve e humor extraordinários, que eu, como leitor, não gostaria de perder.
*José Antonio Pasta