A obra de Saint-Hilaire com referência ao Brasil não se limita a um relato dos trabalhos que, como naturalista, realizou nos anos aqui dedicados a percorrer o litoral e o interior, antes e depois da Independência brasileira. Se não falta este aspecto, rico em estudos e informes relativos à flora, à fauna, à geografia e à geologia do País, de especial interesse é a maneira pela qual o cientista francês levantou e transmitiu um quadro completo das diversas regiões que visitou. revelando-se observador arguto e minucioso, Saint-Hilaire nos dá, a um tempo, ciência, história e reportagem. Aquela conturbada época em que, num cipoal de antagonismos, ambições, inexperiências, intrigas, dificuldades, ignorância e pobreza, o Brasil efetuava a transição da sujeição colonial para uma nova condição de nação soberana, ressalta com plena vida de suas páginas. O leitor o acompanha atravessando vastas extensões e múltiplas paisagens. Revê com ele o surgimento dos aglomerados humanos e seus caminhos de crescimento ou decadência. Entra nos lares e participa das atividades pessoais e sociais, éticas, legais e religiosas. Observa e investiga os processos de trabalho e produção. Avalia problemas e perspectivas da indústria, do comércio e das comunicações. Familiariza-se com trajes, alimentos, usos, costumes e relações individuais e coletivas. Trava conhecimento com inúmeros personagens de várias cores, condições e raças, cujas ações e caráter completam, animadamente, o retrato de um templo repleto de agudos contrastes. E Saint-Hilaire tudo mostra, não com um desdém de crítico orgulhoso de superior cultura européia, mas cheio de interesse humano e de real afeição pela terra e pela gente com que veio conviver.