Vale a pena conhecer circunstâncias que levaram à escrita deste livro, pois ajudam a entender a sua proposta. Dez anos atrás, o escritor Fernando Paixão visitou o ateliê do artista Evandro Carlos Jardim e a amizade entre eles aconteceu de maneira espontânea e imediata. Para além da empatia pessoal, contudo, o visitante se encantou por uma imagem pura e instigante: o que havia ali? Gravado numa forma simples e essencial: ?ora, este é um pássaro que pensa?, foi a idéia que logo ocorreu.
Ficou a semente guardada por ainda cinco anos até que Fernando Paixão iniciou o processo poético de buscar palavras que transfigurassem em outra dimensão a força interna observada naquela gravura. O resultado ? síntese de inúmeros cadernos e versões diversas ? aparece agora no livro ?A parte da tarde?, que a Editora Ateliê acaba de lançar.
Fernando Paixão é autor de vários livros ? com destaque para Poeira, que ganhou o Prêmio APCA, em 2001 --, e vem sendo considerado um dos nomes representativos da poesia brasileira contemporânea, identificado por suas raízes portuguesas. No início deste ano, foi convidado pela Universidade de Berkeley para ocupar a cátedra de Mário de Andrade, na condição de visiting writer. Neste seu novo trabalho, há vários traços que sugerem novidade em relação à obra do autor. A começar pela concepção do livro, em formato de sanfona ? a ser lido como um livro-varal? ?, mas sobretudo no estilo econômico de dizer tanto com tão pouco. Intimista, o pássaro representa com arte a voz de um ser inquieto que nos serve de medida. Para tanto, recorre o poeta a uma expressão exata, minimalista, e altamente carregada de potência sugestiva. Ocorrência livre da tarde, o pássaro pensa por si. E nós, seus leitores, pensamos com ele, preenchemos o vazio de seus versos suspensos.