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A trombeta do anjo vingador
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A trombeta do anjo vingador
"""Próximo da haicai.
Em Dalton Trevisan, pode dizer-se, existe um certo faro para descrever situações do dia-a-dia da pequena classe média, urbana ou rural, cujas mãos suarentas, taras e eternas desventuras amorosas fazem o pano de fundo, o núcleo de onde dispara uma das mais originais narrativas curtas modernas. Neste livro, o contista paranaense está de volta com seus vampiros, gordos, donzelas, velhos, mulheres desiludidas, já assumidos em sua obra. Nas falas nomeando impressões (arara bêbada, cadela molhada, rei da noite), lugares (Hotel Carioca), figuras (João, Maria, André), autoridades (o doutor, o sargento), preferências gastronômicas (moela, coração e sambiquira, broinha de fubá mimoso), devoções (Jesus Cristinho, irmão mariano) e o gosto pelos diminutivos (dedinho róseo, pezinho, boquinha de pintassilgo) reaparecem formas de apurar a ironia e intensificar o clima de humor e o grotesco da realidade.
Numa de suas raras entrevistas, Trevisan manifestou certa vez o desejo de permanecer apenas contista e, se possível, reduzindo cada vez mais o tamanho de suas histórias até chegar à perfeição do haicai. Pelo visto, em A Trombeta do Anjo Vingador, sua intenção alcança também a continuidade dos temas. O tom desses 19 é recorrente, circular, corno se os unisse uma linha sequencial em relação aos livros anteriores. Ficam duradouros os sentimentos de suas personagens, tiradas à pinça da cidade média brasileira, com hábitos e costumes engastados na casa modesta ou remediada, nos sítios, fazendolas e povoados. Do elefante de gesso sobre a geladeira e da caneca com a inscricão Parabéns ao sofá de veludo vermelho, ao jogo de fórmica na sala, à cama de casal, ninguém como Dalton para fotografar lances autofágicos da pequena burguesia submetida aos seus ridículos.
Há quem aponte repetitismo nessas histórias do autor de Cemitério de Elefantes, ou um caraáter onocórdio, que estariam saturando o leitor. Ou, ainda, que os contos de Dalton seriam os mesmos, a que o autor somente acrescentaria detalhes ou situações novas em cada livro. Se observadas em conjunto, porém, e estudadas num amplo painel sociológico, essas histórias noturnas de Trevisan formariam a epopéia trágica do cotidiano da pequena classe média, um romance impiedoso e real, e não apenas de Curitiba, lugar onde vive o ficcionista e por ele escolhido como centro de dramas.
O criador do vampiro de Curitiba escolheu o humor grotesco, a bouffonnerie, para modelar seus contos. A legião de heróis canalhas, reis do desvario da libido, hominhos anônimos cultivando a terra e provando machismo, velhos de baba saburrosa e apetites vorazes denunciam uma certa compaixão do contista por suas figuras, vitimas do imobilismo, da repressão sexual ou econômica e de um falso conceito de moral. Lares desfeitos, a guerra conjugal, as donzelas pecando na tarde curitibana, tudo lembra outras fases e histórias do mesmo Trevisan, que só reconta casos com um deliberado propósito: repisar a miséria moral em que vivem certos segmentos da sociedade dividida em classes e preconceitos. Não há espaço para romantismos nos seus contos.
Revivendo mementos dessa tragédia da classe média ― volta e meia ungida pelo fantasma da solidão ― ao invés de repetir-se, o contista reítera desencontros humanos a repressão sexual gerandoperversões, a instabilidade social provocando desasjustes. Que necessidade tem o autor de trocar o rótulo de suas figuras insólitas, ou mudar o nome delas? João e Maria são bastante encontradicos por aí, não carecem de outras nomeações. Podem ser vistos em Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre, Campo Grande e até mesmo Rio de Janeiro e São Paulo. Tudo marcado por linguagem simples e clara, elíptca ao limite máximo, cada vez mais próxima do haicai pretendido pelo autor, que há 20 anos é presença obrigatória no moderno conto brasileiro, na linhagem direta do humour machadiano.""
- Jorge de Souza Araújo
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