Caminhando por um floresta de símbolos, Gianni Ratto apresenta em Noturnos 13 narrativas que tratam de temas clássicos da literatura, como o amor e a morte, a beleza da juventude e a inevitável velhice. Seja falando de uma top model ou de uma freira, o autor aborda o seu tema de uma forma reflexiva e metafísica que revela as fragilidades da alma humana. Ratto recupera para a prosa brasileira a força expressiva e simbólica da palavra poética.

Elas sempre estiveram aí, presas definitivamente e acorrentadas àquele desenho, correndo uma da outra naquele movimento circular, congeladas num moto perpétuo irrepetível e ansioso.
Mas houve um tempo em que a relação dialógica delas esteve luminosamente definida. A mão esquerda graciosamente colocada acima do papel no qual estava sendo desenhada, assim como a direita, seguindo o movimento periférico da outra.
Hoje tudo mudou: assim como no caso de um matrimônio em que, pela inércia de uma das partes, pelo cansaço e também pelo prolongar de uma rotina diária cujo sabor já não mais estimula apetites nem memórias, hoje tudo mofou deixando ao relento o que antes estava sempre ensolarado.
Por trás da folha sobre a qual as mãos estão desenhadas, por baixo do que era papel e é agora lençol, estão as duas mãos muito quietas na penumbra aconchegante da luz fluorecente da mesa de desenho: está tudo aí, borracha, percevejos metálicos de três pontas do papel vegetal e o olhar crítico de quem desenhou tudo e agora quer avaliar o que foi desenhado achando o significado contido no gestual. É tudo.
É tudo. [...]

[Trecho do conto "As mãos de Escher"]