Em Poesia completa, Adma Muhana junta sabiamente poemas do baiano Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711): Música do parnasso, editado em Lisboa em 1705, e Lira sacra, manuscrito depositado na Biblioteca Municipal de Évora. Com rigor e delicadeza, sua "Introdução" recompõe-lhe a vida de senhor de engenho na ilha de Maré. Se a ficção da vida é excelente, o estudo do "nada desprezível páthos melódico da poesia" é mais. Pesquisando consonâncias de "música" e "poesia", "canto" e "verso", "lírica" e "instrumento", "ritmo" e "doçura" em tratados retóricos, poéticos e filosóficos antigos, Adma constrói argumentos eficazes que situam a poesia de Botelho no seu tempo e deslocam os juízos de gosto neoclássico e nacionalista correntes sobre ela nas histórias literárias brasileiras. Os poucos estudos brasileiros sobre as letras coloniais que não os repetem têm-se mantido no âmbito do conceito engenhoso, causa eficiente das agudezas poéticas. O trabalho de Adma é inovador: desloca-se do conceito para o som, tange as finezas ou as maneiras cantáveis do "plectro doce e fino" do poeta êmulo de Marino, demonstrando que seu páthos melódico materializa o amor com elegância e graça, pois no canto a matéria é nada.