Pela fresta de um barracão de tábuas, uma menina avista uma estrela no céu. A menina perdeu a mãe e, igual ao pai, é agora prisioneira de um campo de concentração nazista. Seu destino parece traçado e aparentemente será o mesmo de tantos outros que trazem, como Anne Frank, a marca de um número na pele e a da estrela-de-davi. Contudo, como no poema de Bilac, a menina percebe que, além de serem vistas, as estrelas também podem ser ouvidas. E, dando voz a uma delas, descobre em sua luz distante a qualidade de acolher conversas capazes de conservar a esperança e de manter senso e vida. Embora a saga da menina Gucia possa absorver o leitor como tantas boas obras de ficção, sua história é absolutamente verídica. E o texto da Carlos Doin consegue resgatá-la, retratando a indomável persistência de um ser humano que sobreviveu aos horrores do Holocausto e pôde superar suas consequências psicológicas. No Brasil, após a guerra, a menina cresceu, casou, teve filhos e netos, tornou-se médica e psicanalista. Mas o interessante do livro ultrapassa o desenrolar dessa aventura humana incomum. Permeado pela tentativa de compreenção psicanalítica, ele é o resultado de múltiplas conversações superpostas. Há o diálogo entre um dos mais cultos mestres da psicanálise brasileira com a analista que nos trás o testemunho vivo de sua capacidade de sobrevivência. Há outro reencontro, o da Gucia Fiszman de hoje com a notável analista inglesa Paula Heimann, que lhe ofereceu o cálido suporte necessário para elaborar os traumas do passado. Há o encontro entre as duas Gucias, a menina e a adulta... Dessas e de outras tantas conversações, vai fluindo ainda uma outra, ,impregnada da emoção das descobertas: a conversa com o leitor; estabelecida entre aqueles que tem, como Gucia e Doin, o ouvido capaz de tentar entender não só as estrelas como também os mistérios da alma humana.