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Livro - A imitação do amanhecer

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A imitação do amanhecer, o mais recente livro de poemas de Bruno Tolentino, reúne 539 sonetos escritos ao longo de 26 anos, entre 1979 e 1994. O livro, dividido em 3 partes chamadas de ?movimentos?, é precedido por um soneto intitulado ?Em frontispício?, que situa seu projeto poético. A epígrafe do soneto, um versículo de Joel, estabelece as finas relações que o poeta delineia entre o cristianismo e as orientações para a vida humana, sendo desdobrada criticamente no próprio poema. Afora este soneto de abertura, que possui título, os demais são apenas numerados, dispostos em 3 longos ?movimentos?. Cada um dos movimentos, por sua vez, define sua modalidade de andamento musical e se inspira em epígrafes de Borges, que giram em torno das relações entre tempo e eternidade. Os poemas obedecem aos esquemas clássicos de rimas dos sonetos e a métrica é geralmente de versos com 12 sílabas.
?As epifanias (andante spianato)? é o título do primeiro movimento, composto de 193 sonetos. Como se vê pelo título, são poemas que almejam ser simbolicamente reveladores enquanto manifestações do divino, mas em andamento moderado, entre o adágio e o alegro. A epígrafe de Borges situa o problema a ser trilhado: não o tempo (no fundo, uma ilusão), mas a eternidade. Das imagens e instantes só há sobras, reconstituídas pela imaginação. A dominância desse movimento é a experiência subjetiva no mundo, na caso, uma cidade específica, Alexandria, recorrente em todo o livro. E se a história de um sujeito é apresentada, isso não ocorre de forma linear e nem há propriamente uma narrativa, mas fragmentos de enredo que podem sugerir iluminações poéticas, e que não se inserem numa cronologia mas, antes, num movimento permanente entre presente e passado.
O segundo movimento, intitulado ?As antífonas (largo con variazioni)?, reúne 180 sonetos e seu andamento é mais lento, grave e majestoso. A epígrafe de Borges norteia o desenvolvimento dessa parte: sem a eternidade, a história universal ou mesmo pessoal não faz nenhum sentido. Os sentidos de ?antífona?, prece, oração, reza, ou versículo que se entoa antes de um salmo ou de um cântico religioso e depois se canta inteiro ou se repete alternadamente em coro, são transmutados para os poemas mediante um longo e penoso périplo através da história humana (não lida em sua cronologia, mas através de pontuações críticas), na qual se insere a da persona poética. Essa amarga reflexão sobre a história desemboca numa reflexão mais geral sobre a poesia e a tarefa humana.
?Os noturnos (adagio molto mosso)? é o título do terceiro movimento, com 165 sonetos e aparente andamento lento, já que seu desenvolvimento é ?molto mosso?. A epígrafe de Borges, afinal, dissolve as tensões das anteriores, ao concluir que o estilo do desejo é a eternidade. ?Noturno? é o momento do ofício divino da noite que se compõe de salmos e lições, mas também composição ou cântico para esta subseção das matinas. Neste movimento, busca-se sintetizar os dois anteriores, preparando o leitor para chegar ao amanhecer e, mais ainda, ser capaz de imitá-lo. É nesse ponto que o próprio título do livro se esclarece, depois de visitadas tantas cidades, tantos passados dos homens em comum e de um homem em particular.
É notável, em todo o conjunto, a inspiração do sagrado, a dar significado às partes, sem que em nenhum momento essa dimensão permita situar esses textos como poemas religiosos. Pelo contrário, sua presença sutil, pontual, repropõe em alto nível o dilema das relações entre o sagrado e o profano mas para se buscar saídas para a vida neste mundo. Poesia de grande clareza, que flui com naturalidade, que sabe disfarçar com precisão a rigidez da forma escolhida, o soneto, num sem-número de recursos e jogos de linguagem sempre empregados sem excesso, insere-se na tradição da modernidade que manteve fortemente seus laços com a dicção clássica e apolínea, visível, por exemplo, na forma como o autor manipula a mitologia antiga. Ciente de que só sobram vestígios das visões e dos instantes, a poesia, quando consegue fazer com essas sobras uma imagem, é como a rosa de areia que ?troca de lugar para fingir que dura?. Assim, a poesia é a mais ampla ilusão da eternidade.

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