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Livro - Deuses no Exílio, Os

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Deuses no Exílio, Os

Tudo começou pela suspeita (talvez exagerada) de que os Deuses não sabiam falar. Séculos de vida fugitiva e feral tinham atrofiado neles o humano; a lua do Islã e a cruz de Roma tinham sido implacáveis com esses prófugos. Testas muito baixas, dentaduras amarelas, bigodes ralos de mulato ou de chinês e belfos bestiais mostravam como degenerara a estirpe olímpica. Os seus atributos não correspondiam a uma pobreza decorosa e decente, mas ao luxo maligno das casas de jogos e dos lupanares do Bajo. Numa botoeira sangrava um cravo; num saco justo adivinhava-se o vulto de uma adaga. Bruscamente sentimos que jogavam a sua última cartada, que eram manhosos, ignorantes e cruéis como velhos animais de presa e que, se nos deixássemos tomar pelo medo ou pela pena, acabariam por nos destruir.
Tiramos os pesados revólveres (de súbito apareceram revólveres no sonho) e alegremente demos morte aos Deuses.
Jorge Luis Borges

Nos anos em que vive em Paris, Heinrich Heine escreve uma série de trabalhos sobre a mitologia pagã, nos quais tenta rastrear os vestígios da sobrevivência dos deuses antigos na história do ocidente. Um desses trabalhos é a sequência de narrativas intitulada Os Deuses no Exílio, em que tenta desvendar ao leitor o destino das divindades antigas depois do surgimento do cristianismo.
Dessas pequenas narrativas, há duas versões, uma em alemão e outra em francês (ambas aqui traduzidas), que guardam aspectos inconfundíveis do estilo e da verve humorística do autor. Na versão francesa, ele combinou elementos de mitos germânicos e da mitologia grega, fundindo à obra trechos de um outro livro seu, Espíritos Elementares.
Heine se apropria de diversos materiais históricos, narrativas e mitos, como, por exemplo, lendas recolhidas pelos irmãos Grimm ou sagas populares suecas. Três dessas lendas, traduzidas neste volume, dão uma ideia do modo como a mitografia heiniana reelabora as fábulas antigas.
Muitos são também os autores que se inspiraram em Os Deuses no Exílio. Théophile Gautier, por exemplo, escreveu uma continuação, intitulada Sylvain, e Théodore de Banville, um poema sobre o Exílio dos Deuses. Eça de Queiroz, que conhecia o texto pela versão francesa, reavivou o tema do desterro das divindades pagãs em trechos de suas Prosas Bárbaras, e o ironizou na Correspondência de Fradique Mendes. Também Jorge Luis Borges se inspirou na obra de Heine. Na "crônica" Rognarök, ele conta a sua versão do destino que coube aos deuses.
Este volume traz também dois estudos críticos sobre os Deuses no Exílio.

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