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Livro - JÓ, a Força do Escravo

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Antonio Negri começou a escrever sobre o livro bíblico de Jó na prisão (1979-1983). Dois são os pontos de inflexão de sua leitura do enfrentamento entre Jó e Deus: a ênfase no que dizia Ernst Bloch ? ?O melhor, na religião, é que ela produz heréticos? ? e a transmutação, diante da desmedida de Deus, da dor de Jó em resistência ontológica, como base de uma resistência que é, antes de mais nada, insistência na ontologia. Negri, o herético, está na prisão, derrotado junto aos movimentos sociais da década de 1970 e o capital reestruturado reafirma seu poder sobre o trabalho. Mas, ao mesmo tempo, é a própria dor da prisão e da derrota ? a restauração da transcendência capitalista sobre o trabalho ? que se torna o ponto de partida para uma reflexão teórica e política sobre a crise do valor, sobre os enigmas da desmedida do poder no capitalismo contemporâneo.
É exatamente a partir do drama de uma racionalidade insensata que ameaça a própria existência do ser que Negri segue o caminho de Jó e faz da crise do valor (da desmedida do poder) o ponto de partida para uma política da imanência, para a renovação de uma prática de libertação. Como pensar o ?bem? depois de Auschwitz e Hiroshima? Como ser comunista depois de Stalin? Se, na crise da medida, a razão moderna aparece como irracionalidade, niilismo e sofrimento desmedido, na capacidade de resistir à dor e insistir no ser essa mesma crise abre-se a um horizonte não-dialético: é, pois, a medida que impõe a dialética da relação entre Jó e Deus, entre o escravo e o senhor, entre o trabalhador e o capital. A crise da medida se apresenta como sofrimento insuportável gerado pelo controle capitalista sobre um trabalho que envolve a vida como um todo. Ao mesmo tempo, a desmedida da dor significa também a incapacidade capitalista de legitimar seu novo regime de dominação sobre a vida posta a trabalhar. A relação escravo-patrão é aberta, pela ontologia do trabalho, a um antagonismo que não encontra mais mediação: ?No inferno da produção, a nossa solidão é aquela dos criadores e não a das criaturas.?
O ?trabalho de Jó? desmascara um Deus que é ao mesmo tempo ?parte? e ?juiz? e, na recusa de sua transcendência, também qualquer tentativa de reconstituição de um critério moral de justiça. Jó, o escravo, pode enfim dar corpo ao êxodo para fora da relação dialética, lutar resolutamente contra todo tipo de transcendência. O servo não precisa mais do patrão. A redenção é o fato dessa ruptura. A ética é o ser. É, pois, a própria relação entre o homem e o ser que é divina. A dor se transformou em ontologia da criação, em messias. A saída da dialética das luzes não fica nua, sem qualidade, indiferente, mas abre-se ao messias, à redenção: ou seja, a um critério de valor que coincide exatamente com a potência que o cria e não tem medida.

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